"Eu queria fazer um livro não da vida como ela é, mas como eu queria que ela fosse. Um livro para a gente pegar e ler quando quisesse esquecer a vida real... Eu entendo a Arte como sendo uma errata da vida. A página tal, onde se lê isto, leia-se aquilo..."

Erico Verissimo, em "Um Lugar ao Sol".

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Falando sobre Erico: Um afeto especial por Luis Fernando Verissimo


Não me lembro qual foi o primeiro livro do pai que li. Foi certamente um dos infantis. Talvez As Aventuras do Avião Vermelho, que era o meu favorito e li várias vezes. As Aventuras do Tibicuera também foi muito lido, mas aí eu já tinha mais de 10 anos.

Com 11 ou 12 anos, li Caminhos Cruzados. Escondido. Não era livro para crianças. Tinha cenas "fortes", de sexo. Nada que um pré-adolescente de hoje não leria sem estranhar a reticência, mas estamos falando do fim dos anos 40, quando nas edições originais dos livros do Hemingway vinha a palavra "Obscenity" substituindo os palavrões, O Amante de Lady Chatterley, do D.H.Lawrence, só circulava em edições piratas e mulher nua só em revistas de nudismo.

Eu tinha 13 anos quando saiu O Continente, a primeira parte de O Tempo e o Vento. Até hoje é o livro do pai que mais reli, e acho que é o melhor livro dele. Mas tenho um afeto especial por Noite, a novela curta que ele escreveu entre O Retrato, segunda parte de O Tempo e o Vento, e O Arquipélago, que completou a trilogia. O pai depois reconheceu que escrever Noite foi uma espécie de manobra protelatória, para não começar a escrever O Arquipélago, que traria a saga de O Tempo e o Vento até um passado relativamente recente, 1945, e no qual o próprio autor apareceria, mais ou menos disfarçado na figura de Floriano Cambará, que termina o último volume da obra escrevendo a primeira frase do primeiro. Era a parte mais difícil de fazer, e só ficou pronta dez anos depois da publicação de O Continente.

Noite é um pequeno exercício sobre as maiores questões humanas, o Bem, o Mal, a culpa e a redenção. Foi escrito num único verão, em Torres. Acompanhei sua feitura do começo ao fim, muitas vezes lendo o que saía da máquina de escrever, antes das correções e revisões. Assim posso dizer que li todas as versões de Noite, da crua até a acabada. Não acho que esteja entre os melhores livros do autor. A qualidade do texto, conciso e expressivo ao mesmo tempo, e os personagens inesquecíveis não compensam completamente o simbolismo algo esquemático e ralo. Mas é o livro dele que lembro com mais sentimento. Talvez porque tenha assistido ao parto.

Texto publicado no Segundo Caderno de Zero Hora em 18/04/2005

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